quinta-feira, 9 de junho de 2011

ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL - Lei nº. 12.288/2010

Encampando-se pelas ações afirmativas, o Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº. 12.288/2010, busca reverter o quadro discriminatório construído ao longo dos anos. Ele inova no campo do enfrentamento da discriminação racial, ao contrário de se preocupar apenas com ações repressivas, preocupa-se com estratégias promocionais de igualdade. Este cunho mais amplo reafirma direitos de forma focada provocando grande resistência da cultura discriminatória já instituída.

Ao discriminar positivamente, o diploma legal tenta superar a igualdade formal prevista no art. 5º, caput, da CF, por meio de programas de ação afirmativa, que o parágrafo único do art. 4º, da Lei, conceitua como “políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País”. E para a consecução destes objetivos ele institui o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), porém não impõe o dever de promoção da igualdade de oportunidades apenas ao Estado, mas também à sociedade (art. 2º, do Estatuto).

Assim como os direitos são construídos, a discriminação também o é, haja vista o Brasil ter sido o último país do ocidente a abolir a escravidão e desde aquela data a discriminação nunca foi desfeita. O Estatuto busca promover a ascensão político-jurídica da população negra combatendo à discriminação e as demais formas de intolerância étnica (art. 1º, do Estatuto). A própria lei dispõe no art. 3º, que possui como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira, além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais. Neste diapasão, procura-se promover a superação desta cultura discriminatória.

O caráter promocional de igualdade é ressaltado no art. 1º, mostra-se o fim para o qual o diploma é apontado: garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. É o primeiro diploma ao tratar exclusivamente de ações positivas em prol da população negra, conceito este que o próprio diploma define não com base biológica (fenótipo), mas com base psicológica (consciência), sendo “o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga” (art. 1º, parágrafo único, IV, da Lei). Ou seja, utiliza-se pela primeira vez de estratégias promocionais, ao contrário das pontuais repressivas, que não produzem automaticamente a inclusão social.

O Estatuto apenas reafirma direitos já consagrados na Constituição Federal, como o direito à saúde, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer e à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício dos cultos religiosos entre outros, porém de forma direcionada, focando-os às populações negras. Uma das políticas focadas trazidas pela lei é a política agrícola, que direciona para os remanescentes das comunidades dos quilombos tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura (art. 33, do Estatuto). Além da reafirmação o Estatuto ainda dispõe sobre o financiamento em seu Capítulo V.

O caráter atuante estatal disposto no Estatuto da Igualdade Racial faz com que se insurjam argumentos contra a desigualdade promovida por este diploma: o desnivelamento entre a igualdade formal e a igualdade material, visto que, esta última promove ação em favor do beneficiário e aquela apenas aniquila privilégios; o próprio caráter de políticas públicas focadas em face das generalizadas; a “racialização” da sociedade ocorrendo o crescimento de distanciamento entre os grupos étnicos - sendo este argumento combatido pelo de que a etnia sempre servia para inferiorizar, sendo, agora, utilizado como critério para incentivar a igualdade -, tais oposições representam a cultura discriminatória que já impera na sociedade. A própria lei traz garantias que procurem desconstruir a discriminação, como a inserção no ensino fundamental e médio o estudo obrigatório da história da África e da história da população negra no Brasil (art. 11) com o resgate da sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País (art. 11, § 1º).

Assim, a inovação trazida pelo Estatuto, ao dispensar à população negra um tratamento sob o enfoque de ações afirmativas, mostra o caráter promocional da lei representando um avanço no tratamento do tema, deixando de lado o viés apenas repressivo para agir por meio de políticas públicas para efetivar a isonomia material.

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