sábado, 31 de outubro de 2009

O reconhecimento da união estável pelo Estado - Aspectos constitucionais e infraconstitucionais


Paulo Almeida Carrilho Júnior

Em vários diplomas legais de nosso ordenamento o Estado ampara e reconhece a união estável. Guiados pela nossa Carta Maior em seu art. 226, §3°, este reconhecimento restringe-se para efeitos de proteção. Percebemos que o constituinte quis evitar a miríade de interpretações e injustiças que assolavam o ordenamento jurídico “pré-Constituição de 1988”.
Uma das primeiras tentativas de evitar injustiças da dissolução de uma união estável foi a edição da Súmula 380 do STF (na sessão plenária de 3 de abril de 1964), pré-Carta Cidadã, mas representando grande avanço. Dispôs sobre o concubinato reconhecendo-o como sociedade de fato e garantindo a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Perceba-se que aqui existe apenas a atribuição de efeitos obrigacionais, às vezes, para isso, antes, deveria ser reconhecida como sociedade de fato. Até o advento da
Lei n. 9.278/96 a súmula continuou a ser utilizada, atualmente, utiliza-se dela quando da partilha há famílias paralelas, tal relacionamento não sendo reconhecido como união estável conforme fortes argumentos doutrinários e jurisprudências.
Com o advento da Carta Cidadã a união estável foi alçada ao status constitucional, sendo reconhecida como entidade familiar e protegida pelo Estado. Devemos lembrar, e aqui, pôr nossa crítica às novas correntes, que o reconhecimento da união estável é entre homem e mulher, não cabendo interpretação extensiva a ponto de reconhecer a união estável homoafetiva, por respeito à própria Constituição, evitando-se uma autofagia, sob a desculpa de utilizar-se de uma razoabilidade ou do princípio da concordância prática ou harmonização, digo isso por causa de dois aspectos: a) expressamente o constituinte apenas expressou a união estável entre homem e mulher; e, b) a parte final do §3°, do art. 226, “devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”, que faz menção a legislação infraconstitucional onde só existe casamento entre homem e mulher, não havendo assim possibilidade de conversão de uma união homoafetiva em casamento. Porém não podemos olvidar que há a possibilidade de emenda constitucional que trate do assunto, visto que, não está no rol do núcleo rígido da Constituição.
Na legislação infraconstitucional, encontramos em vários diplomas legais a presença desta proteção, citamos a legislação previdenciária, Lei n. 8.213/91, art. 16, I e §§ 3° e 4°, há o reconhecimento do companheiro ou companheira como dependente econômico presumido. A Lei n. 8.971/94 que também versou sobre o tema quando assegura o direito a alimentos e à sucessão do companheiro, estabelecendo requisitos para reconhecimento desta. Mas foi com a Lei n. 9.278/96 que houve uma maior amplitude em sua regulamentação, pois, especificamente, dispõe sobre o art. 226, §3º da CF/88, além de determinar como de competência das varas de família os litígios sobre união estável.
O Código Civil de 2002 reservou o Título III do Livro IV do Direito de Família para tratar sobre a união estável. Todos os aspectos legais anteriores que regulavam a união estável que não conflitam com o novo Código, continuam em vigor.
Outras leis que tratam do reconhecimento da união estável, temos a Lei n. 8.069/90, alterada pela lei 12.010/09, em seu art. 42, § 2°, ao possibilitar para adoção conjunta os maiores de 18 anos que mantenham união estável com comprovada estabilidade familiar.
Em vista, de todo o exposto, percebemos que as medidas estatais reguladas estão restritas a efeitos de proteção seja garantir direitos recíprocos, alimentos ou reconhecê-la como entidade familiar. Desta forma, o ordenamento jurídico é condizente com o preceito constitucional do art. 226, § 3° e a repercussão jurídica deu a união estável uma importância tal, que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu da seguinte forma:
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. DECLARAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. FILHA. DIREITO PERSONALÍSSIMO. Viável o pedido de declaração de união estável feito pela filha daquele que mantém dito relacionamento com terceira pessoa, mormente porque a apelada é credora de valores cobrados em ação de execução alimentar. O reconhecimento da união estável não é direito personalíssimo dos conviventes. Precedentes. Recurso desprovido.
No caso em tela tratava-se de uma filha do casal que pleiteava ação de execução de alimentos e o tribunal aceitou a possibilidade de iniciativa de um terceiro interessado para o reconhecimento da união estável.
Indiscutível é a presença da união estável na sociedade e a sensibilidade dos legisladores e aplicadores do Direito ao reconhecer e tratar com responsabilidade e cautela um instituto tão importante. Porém, relembro que a discricionariedade, às vezes, cometida por julgadores, fazem com que a união estável se desvirtue do caminho traçado ou indicado pela Constituição Federal fazendo com que sentenças que aparentemente seriam justas tornem-se à margem da lei, provocando mais balburdia no mundo jurídico do que o reconhecimento protetivo estatal previsto pelo constituinte.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

Gonçalves, Carlos Roberto. Direito de família, v 2. 13ª ed., rev. (Coleção sinopses jurídicas) / São Paulo : Saraiva, 2008
NADER, Paulo. Curso de direito civil, v 5, 1ª ed.: direito de família / Rio de Janeiro: Forense, 2006.

3 comentários:

  1. Meu irmão a 6 anos atrás veio a falecer em razão de câncer. Ele deixou um filho e antes de contrair o câncer ele se divorciou da mãe do filho dele. Quando já estava acometido pelo câncer ele começou um outro relacionamento, e meses antes de falecer, ele fez uma união estável com essa companheira, união essa que não foi feita no cartório, foi toda feita na residência dos nossos pais, pois ele já não tinha condições de ir até o cartório.
    Após a morte do meu irmão, a sua pensão do INSS passou a ser dividida entre o filho dele e essa mulher que ele fez a união estável enquanto estava em fase terminal. Essa mulher, meses depois reatou com o ex-marido dela, com o qual também tem 1 filho, e eles vem morando juntos até hoje. A minha dúvida é se posso, como terceiro, solicitar judicialmente que seja reconhecida uma União Estável entre essa mulher e seu companheiro, para com isso dissolver a União Estável que ela fez com o meu irmão, e a mantém apenas para continuar recebendo a pensão do INSS.

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  2. Esse filho que ela tem com o seu atual companheiro é fruto, da primeira união que eles tiveram, antes mesmo da União desaa mulher com meu falecido irmão.

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  3. Caro, Geraldo Leal, muito obrigado pela visita! Como o espaço é pouco vamos direto ao ponto. A qualidade de dependente da senhora em questão é presumida em lei (art. 16, § 4º, Lei n. 8.213/90), assim, a qualidade dela é presumida, basta a comprovação no INSS para receber o benefício e como há outro dependente divide-se o benefício. Quanto ao reconhecimento da união estável é independentemente de documentação, preenchido os requisitos da união estável basta (devido a informalidade da relação). Quanto a via judicial só seria possível: 1) descaracterizar a união estável antes da morte do segurado; e, 2) reconhecer a não dependência econômica dela quanto ao segurado. Quanto a sua legitimidade para desqualificar ela como dependente não é possível a não ser que seja curador do menor, porque os legitimados são: 1) o filho, quando atingir maioridade; 2) o representante legal do filho enquanto menor; 3) ou o curador dele. Espero ter ajudado - casos de consulta é mais caro, brincadeira (rsrssrsr)

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